Os 18 anos da Lei de Arbitragem

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Por Selma Ferreira Lemes
Em dia 23 de novembro de 1996 a Lei de Arbitragem (LA), Lei nº 9.307 começou a vigorar no Brasil. Revogou as disposições do juízo arbitral no Código de Processo Civil e do compromisso no Código Civil (1916). As partes em um contrato passaram a ter uma ferramenta útil e eficaz para solucionar conflitos dele surgidos, por meio da eleição de um terceiro independente e imparcial, o árbitro, cuja sentença proferida equivale a do juiz.
O físico Thomas Kuln asseverou que o progresso científico somente é atingido pela substituição de um paradigma por outro, por meio da revolução científica, eliminando e substituindo muitos dos processos e das crenças de velhos paradigmas. A exemplo, a LA rompeu paradigmas ao inovar na forma da prestação jurisdicional. Vivemos uma revolução silenciosa nesses 18 anos, em que se delineiam três fases distintas, do nascer à maioridade da lei. A primeira é a fase da catequese e difusão, a segunda, de desenvolvimento e, a terceira, de desafio.
No início, havia a necessidade de se divulgar o instituto (catequese), fundamentado em duas premissas: a primeira, comparativa para demonstrar o que mudou diante da lei anterior; a segunda, o que era novo e inédito. A primeira rompeu com os padrões antigos, tais como o que não reconhecia a cláusula compromissória como instrumento instituidor da arbitragem e o que exigia a homologação do laudo arbitral, se condenatório, pelo Judiciário. A LA trouxe a figura da convenção de arbitragem nas modalidades cláusula compromissória e compromisso arbitral, ambas vinculantes e instituidoras da arbitragem. Também, equiparou o laudo arbitral à sentença judicial.
Inovações no texto da lei só se justificam se não atentarem à estrutura lógico-sistêmica da norma e contribua para aprimorar seu texto
No rol das inovações trouxe a figura da autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato em que estivesse inserta; esclareceu que a cláusula compromissória podia estar disposta em um documento apartado ao contrato; que as partes são livres para decidir se disporão da arbitragem ou não, mas ao elegê-la seria obrigatoriamente acatada; que compete ao árbitro avaliar em primeiro lugar se uma cláusula arbitral é válida e que o Judiciário está impedido de efetuar referida análise; que a arbitragem somente será instituída em juízo (art. 7º) se a cláusula compromissória não contiver os elementos mínimos para sua instituição (cláusula arbitral vazia); privilegia a arbitragem institucional, ou seja, a arbitragem administrada por câmara de arbitragem; não prevê regras processuais rígidas, mas princípios jurídicos a serem observados no procedimento (igualdade de tratamento, contraditório e convencimento racional motivado do árbitro).
A fase de catequese demonstrou a viabilidade do instituto e sua adequação aos conflitos decorrentes de contratos cíveis, comerciais e financeiros e a relação direta da arbitragem com a redução de custos de transação. Afinal, resolver um conflito com mais presteza, por pessoas especializadas era algo que não poderia ser negligenciado.
A fase seguinte experimentou a fantástica aderência ao instituto e a pungente manifestação da sociedade civil, que não mediu esforços para abraçar a ideia, desde os estudantes de direito, os advogados e, especialmente o Judiciário, que traçou o caminho da segurança jurídica para trilhar a arbitragem.
Na área do reconhecimento e homologação de sentenças arbitrais estrangeiras o STJ indica que há muito a cooperação judicial internacional deixou de ser uma questão de cortesia internacional, mas é antes de tudo de direito. Fixa, assim, padrões de extrema utilidade, atentando para as limitações impostas pelo juízo de delibação, que não permite analisar o mérito do julgado na sentença arbitral estrangeira. Esclarece que a arbitragem se rege pela lei estrangeira indicada no contrato e não pela lei brasileira, admitindo inclusive sentença com fundamentação reduzida. Essas decisões representam um bem público, consoante a análise econômica do direito, pois não interessam somente às partes envolvidas, mas sinalizam confiança nas instituições jurídicas do país.
Na área acadêmica proliferam trabalhos de conclusão de curso de graduação e pós-graduação, sendo que muitos dão origem à doutrina de alta qualidade. Na parte operacional, em seis câmaras de arbitragem localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, de 2010 a 2013 houve 603 litígios entrantes (além dos em processamento) envolvendo quantias de quase R$ 16 bilhões.
Na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional(CCI), onde são processadas arbitragens em âmbito global, as estatísticas de 2013 alçam o Brasil ao quarto lugar mundial em números de arbitragens. São Paulo integra a lista mundial “top ten” como local eleito para sediar arbitragens.
A terceira fase denominada de desafio representa o compromisso e responsabilidade de todos em manter este quadro favorável à arbitragem, que indubitavelmente contribui para o desenvolvimento econômico brasileiro. É neste sentido que inovações no texto da lei só se justificam se não atentarem à estrutura lógico-sistêmica da LA e contribua para aprimorar seu texto. Todavia, não é isso que se verifica no Projeto de Lei do Senado nº 460, de 2013, ao dispor, entre outros temas, sobre a arbitragem na administração pública. As três restrições impostas (uso da equidade, previsão da arbitragem no edital de licitação e a necessidade de regulamento posterior) estão na contramão do desenvolvimento da arbitragem e do progresso nacional, pois com certeza atrasarão e encarecerão as contratações públicas e as parcerias público-privadas, podendo inviabilizar atividades no exterior de sociedades vinculadas ao setor público.
Pelo cenário descrito temos muito para comemorar nos 18 anos da Lei de Arbitragem. A sociedade brasileira merece parabéns! Todavia, também temos muito para nos preocupar com as propostas de alteração na LA que amputam o que conquistamos. Oxalá prevaleça o bom senso no Congresso Nacional.
Selma Ferreira Lemes é advogada, coautora da Lei de Arbitragem e membro brasileiro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI
Fonte: Valor Econômico
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